Leituras de 2022

O ano de 2022 foi um ano de boas leituras e de algumas “releituras” importantes. Me agrada muito reler livros depois de algum tempo, eles falam de forma diferente de tempos em tempos com a gente e vários fatores influenciam no entendimento, compreensão. Foi o caso de “Precisamos falar sobre o Kevin”, na primeira leitura deste livro, há alguns anos, eu tive pena de Eva, uma mulher vítima de seu filho psicopata. Desta vez não, Eva, na minha opinião foi omissa em algumas situações por várias questões, a primeira e mais importante delas é que era mãe de um psicopata e em certas questões, pecou. Enfim, são visões que a releitura permite e que são bastante válidas. Agora em 2023, terei outras releituras e eu espero que me tragam reflexões e novos entendimentos.

A lista de 2022 ficou assim:

01 – Minha mãe se matou sem dizer adeus – Evandro Affonso Ferreira

02 – 161 anos de doutrina espírita – Luiz Albano Freitas Alves

03 – Vida e sexo – Chico Xavier

04 – Cloro – Alexandre Vidal Porto

05 – Perdão, Leonard Peacock – Matthew Quick

06 – O mundo Pós-aniversário – Lionel Shriver

07 – As coisas que você só vê quando desacelera – Haemin Sunin

08 – Lou na quarentena – Jojo Moyes

09 – Uma noite, Markovitch – Ayelet Gundar-Goshen

10 – O menino do pijama listrado – John Boyne

11 – O Africano – J.M.G le Clésio

12 – A invenção de Morel – Adolfo Bioy Casares

13 – Com amor, Creekwood – Becky Albertalli

14 – Precisamos falar sobre o Kevin – Lionel Shriver

15 – Dupla falta – Lionel Shriver

16 – O jogador de Xadrez de Maelzel – Edgar Alan poe

17 – A mulher mais linda da cidade – Bukowski

18 – Desejo – Elfried Jelinek

19 – Um amor incômodo – Elena Ferrante

20 – Os demônios – Dostoiévski

21 – Prometo falhar – Pedro Chagas Freitas

22 – Infância – Tolstói

23 – O farmacêutico de Auschwitz – Patrícia Posner

24 – Tolstói,  A fuga do paraíso – Pavel Bassinski

25 – Adolescência – Tolstói.

26 – Adultos – Marian Keyes

27 – O sofá laranja – Fania Szydlon Benchimol

28 – A cidade de vapor – Carlos Ruiz Zafón

29 – Cem anos de solidão – Gabriel García Márquez

30 – Notas sobre o luto – Chimamanda Ngozi Adichie

31 – Antologia de contos extraordinários – Edgar Alan Poe

32 – O perfume, a história de um assassino – Patrick Süskind

33 – Contra um mundo melhor, ensaios de afeto – Luiz Felipe Pondé

34 – A república das putas – Josef Skorecký

35 – Uma tragédia de verão – Arna Bontemps

36 – O pintor de memórias – Gwendolyn Womack

37 – Águas de primavera – Ivan Turgueniêv

38 – Serei sempre o teu abrigo – Valter Hugo Mãe

39 – A ignorância – Milan Kundera

40 – A praga Escarlate – Jack London

41 – A estrada verde – Anne Enright

42 – Zen e a arte da escrita – Ray Bradbury

43 – Juventude – Tolstói

44 – Serena – Ian McEwan

45 – Festa no covil – Juan Pablo Villalobos

46 – Dia de fuga – John Boyne

47 – A memória e o tempo – Hermínio c. Miranda

48 – A montanha mágica – thomas Mann

49 – Lucky Jim – Kingsley Amis

50 – Arrastados – Daniela Arbex

51 – A festa da insignificância – Milan Kundera

52 – Correio noturno – Hoda Barakai

53 – Peça e receba – José Lázaro Boberg

 

Petits Plaisirs

O senso comum nos ensinou a nos livrar do penoso para que possamos desfrutar daquilo que nos dá prazer. Mas já reparou como as coisas ruins se alongam mais que as boas? Isso acontece porque nosso cérebro gosta de uma autossabotagem. Quanto pior uma tarefa, maior é a nossa má vontade em executá-la. Faz uma busca rápida aí na sua memória de como longo foi fazer uma coisa de que não gostava? Uma eternidade, né? Agora lembra de uma coisa muito boa como um encontro, um beijo, uma sobremesa muito boa ou aquela viagem dos sonhos que passou tudo em um piscar de olhos, não foi? Ah, cérebro cruel!

Escrevendo isto me lembrei do filme Constantine que o personagem de Keanu Reeves visita o inferno por dois segundos e considera um tempo longo demais. Ao terminar uma semana exaustiva de trabalho e ansiarmos pelo fim de semana, ainda estamos sob a atmosfera dos maus dias, nosso sábado ainda tem resquícios do trabalho e a gente custa a tirar a poeira dos ombros e aproveitar. Mas já reparou como voltamos felizes ao trabalho depois de um feriado prolongado? Renovados, cérebro oxigenado, corpo tranquilo e sono regularizado. Parece óbvio e é mesmo.

E pensando nessas coisas, me perguntei por que não caminhar contrariamente ao senso comum? Começamos pelas pequenas coisas, nossos pequenos prazeres diários. Que tal saborear o sorvete antes da comida? Que tal ser feliz primeiro?

Ser feliz não é somente começar pela parte boa da vida (até poderia), mas é entender e aprender a se priorizar. Isso parece tão fácil, tão lógico, tão óbvio, tão ridículo e é tão tudo isso que a gente nem faz. É que a gente vive um pouco em função da aceitação. Aceitação pessoal que passa pelo crivo da aceitação social e aí a gente se permite ser idiota em querer agradar ao nosso ciclo, à bolha que pertencemos e esquecendo um pouco (ou muito) daquilo que somos, gostamos e da forma como nos sentimos importantes, valorizados. Quanta ironia, quanto desperdício de energia.

Mas quando a gente se coloca como primeira necessidade, as coisas começam a funcionar melhor, é como se todo dia a gente estivesse voltando de férias. Todas as férias são boas? Não, mas pelo amor de Deus, vamos focar em coisas boas? (Olha meu cérebro querendo me sabotar). Depois das férias a gente tem até uma preguicinha de voltar ao trabalho, mas se arruma, sai de casa e diz bom dia até para as formiguinhas que encontramos pelos muros e calçadas. Depois das férias o sol é gostoso, a chuva é bem-vinda. O trânsito até que não é rui…. não, o trânsito continua sendo ruim, mas a gente põe fones de ouvido, aumenta o volume na música preferida no spotify e pronto.

Não existe mágica nas férias, sabia? A diferença é que naquele período ali você se priorizou. Você passeou, não teve obrigações de oito horas por dia. Você brincou com o cachorro ao meio dia, você cochilou a tarde toda, leu um livro, cozinhou sem obrigação, comeu coxinha no almoço por dois dias, lavou o cabelo e deixou secar no vento, passou o sábado de pijama no sofá, comeu pizza no café da manhã e pipoca no jantar, maratonou séries, passou a noite rindo dos reels, viu a lua, tomou sorvete, dormiu demais, curtiu ressaca, riu da barriga doer e nem lembra o motivo. Você passou mais tempo em casa sozinha e em silêncio, limpou armários, comprou roupa de cama, olhou vitrines, comprou comida e se embebedou sem ex pra esquecer. Viu amigos de longa data, fez amigos aleatórios em lugares ainda mais aleatórios. Você fez o que queria e não somente o que precisava e é por isso que você volta para o trabalho disposto, leve e achando que as coisas não são tão ruins assim e você só estava cansado esse tempo todo.

Você não estava somente cansado esse tempo todo, mas também ficou meio abandonado de si, meio esquecido com o fluxo da vida e da pressa das coisas, ficou meio anestesiado (e, algumas vezes, até inebriado) pelas companhias que te arrastam por lugares que você aprendeu a gostar para pertencer, a gostar de beber coisas que sozinho não faria muito sentido, a ouvir músicas que nem falam tanto assim com você, mas que narram a vida do mais-do-mesmo porque todo mundo acaba meio assim também, um bando de maria-vai-com-as-outras porque não ousa olhar para os lados, não ousa sair da bolha. Sabe a caverna de Platão? Será que você não está vivendo em um remake da alegoria? Pensa aí. Se a resposta for não, não precisa terminar de ler o texto, mas se tiver uma dúvida pequenina que seja, continua comigo.

Porque eu desejo que a gente volte todos os dias das férias, que a gente comece a almoçar pela sobremesa, que a gente se enxergue no espelho, porque se ver é simples demais. Se ver é reparar que tem olheiras e usa o corretivo para disfarçar, se ver é passar a chapinha na franja para desamassar, se ver é perceber que menos dois quilos faria aquela blusinha assentar melhor no seu corpo. Mas se enxergar é definir o que falta, é reconhecer o que é bom, ver progresso, a evolução e a revolução. Se enxergar é entender que nunca estará pronto e que toda linha de chegada também é uma de largada, e por isso mesmo, precisa de ombros leves, cabeça tranquila, coração apaziguado.

A parte mais bonita desse processo todo é que, por mais que alguns caminhos nos façam sangrar, se colocar em evidência torna o resto do percurso menor. A gente consegue dar uma enganadinha no cérebro invertendo esse processo que o senso comum nos ensinou. “Primeiro o dever e depois o prazer” – No mundo adulto essa premissa tem um peso muito grande, principalmente quando nos ensinaram que o prazer não está na gente, mas na busca que a gente nem sabe bem onde vai dar. (Claro que a gente trabalha para se sustentar e pagar por alguns luxos, mas este texto não fala sobre isso, acho que nem precisava explicar, mas vai que…? ). O grande prazer da vida somos nós, até porque sem a gente, nossas vontades, sonhos e realizações não fariam o menor sentido. O grande prazer da vida é priorizar o que se tem, o que nos é caro e principalmente, o que sentimos. É o que alimenta, nos sustém. É o que realmente basta.

Qual é a sua sobremesa preferida de vida? Comece hoje mesmo por ela.

Carolina Machado.

27/12/22

Fraco x Forte

Eu sou fraca. Choro, sou sensível a influências externas e para piorar, tenho crises de ansiedade que me fazem enxergar as coisas muito macros, chupadas no zoom até desfocar e é bem tenso sabe? Quando a ansiedade vem com força, o meu pensamento parece um carro com direção desalinhada, sabe ? Você puxa o volante e o carro volta, é um inferno, as coisas ficam dentro de você como em um looping. O que eu faço para melhorar? Terapia, banho quente a qualquer hora do dia ou da madrugada, caminhar e tentar desviar o pensamento. Consigo sempre? Não. Mas não desisto.

E essa fraqueza me custa caro porque, não bastasse toda essa bagunça que a ansiedade me causa, eu sou do tipo que não poupa nada, eu sangro, reconheço e confesso vulnerabilidades. Esses dias uma amiga comentou que prefere entubar as coisas, eu entendo, mostrar que sofre não é bom, mas eu descobri que o que eu não falo, eu acumulo. Não sei digerir em silêncio, eu adoeço se isso acontece e eu odeio ficar doente. Então eu falo, eu exponho o que sinto, o que penso sem medo de parecer ridícula, infantil, dramática, emocionada. Eu sou daquelas que mergulha de cabeça até mesmo em águas turvas porque eu só sei ser inteira, não gosto de metades.

Essa catarse me ajuda de duas formas: a primeira é materializar o que eu sinto e, assim, conseguir entender e me entender; a segunda forma é que eu consigo digerir e pacificar dentro de mim, isto é, o que machucava, o que incomodava e o que impedia deixa de ser um obstáculo e eu consigo fechar a janelinha. Falar é exorcismo, aprendi isso às duras penas na terapia. Falar não é tão simples como parece, falar é revirar coisas que ficaram ali debaixo do tapete das vaidades, do orgulho, vergonha. Vergonha de ser menor por querer, por sentir mais.

Um dia me ensinaram que forte é aquele que não chora, que sabe sair das situações sozinho, é quem aprendeu a ser suficiente. Eu concordo que há força em ser assim, mas eu vejo fraqueza escondida na autossuficiência, fraqueza em saber que pode não levantar quando cair. E aí veste uma armadura, adorna o peito com aço, mas por dentro sente sozinho, porque a hora do travesseiro chega para todos.

A minha fraqueza em demonstrar me prova que por mais que eu caia (e caio mesmo), eu sou capaz de espanar a poeira e continuar a caminhada. Eu percebi que em todas as quedas há uma cicatriz que me impede de voltar e isso só pode ser progresso, né? Uma criança quando queima a mão numa panela quente aprende que nunca mais deve se meter com as panelas do fogão. O cérebro protege, o bom senso alerta, o corpo repele. Os padrões só se repetem em quem não se permite aprender.

Então talvez a minha força esteja na fraqueza, na realidade como me assumo em defeitos e virtudes, em risadas sinceras e lágrimas não engolidas. Ser real, é a força que me ergue todas as vezes e

todas,

todas,

todas.

Sobre o amar e o amor

A gente sempre pensa que o amor é um fenômeno difícil, principalmente pela reciprocidade que ele urge, mas o amor é simples e mora nos detalhes, detalhes tão simples como aqueles gestos que a gente acaba banalizando pela simplicidade do dia a dia. “Dormiu bem?” “Você almoçou hoje?” “Avisa quando chegar”. O amor não precisa de muitos movimentos para ser presente e nem precisa ser visto por todos. O amor dispensa balões coloridos e carros de som na rua (graças a Deus), mas o amor de verdade se reconhece pela disponibilidade, se reconhece por fazer do impossível, uma possibilidade real.

Das idealizações

A gente idealiza demais o amor. E a gente tende a gostar muito do amor, o ato de amar, aquela sensação gostosa que nos invade e faz acreditar que o mundo é bom, justo e colorido, mesmo que a gente veja e reclame diariamente das mazelas, o ser que visualiza o mundo pelos olhos do amor, sempre acha que vai melhorar. A cortina que pinta o mundo com cores vibrantes e faz parecer tudo uma festa, ou torna os problemas ridiculamente irrelevantes, é o que mais nos faz falta quando tudo acaba.

 

No promises

“So promise me only one thing, would you? Just don’t ever make me promises.”

 

Eu lido, na maior parte do tempo, com as minhas frustrações. Admito que, em grande parte, elas são frutos da minha imaginação expectante. Coisas minhas supero, doem, machucam, mas se fecham e depois até dão uma certa vergonha de lembrar. Coisas minhas são minhas e eu as jogo fora quando não me cabem mais. Acumuladora como sou, às vezes só demoro um pouco mais.

Mas nada me dilacera mais que promessas advindas de timbres que me arrastam e olhares que me embalam. Ou seria o contrário? Fato é que se existe um pecado que não merece perdão é esse: Promessas que não se cumprem.  Para que fazer um coração acreditar em coisas que jamais existirão? Sem contar que é de uma covardia imensa. Quando criança me doíam os “na volta a gente compra” da minha mãe, talvez fosse uma preparação para as coisas da vida adulta e de gente que com um par de olhos, de seios, de pernas e uma coleção infindável de sorrisos te faz acreditar em promessas mais vazias ‘quanto um sonho bom’.

Claro que parte disso também é culpa minha que me deixo iludir. Acreditei em todas as promessas da minha mãe, assim como sustentava ilusões de papai noel, coelhinho da páscoa, bruxas e discurso político. Acho até que tenho fortes tendências em maquiar a realidade. Doses de ficção fazem a vida valer a pena. É quase como se iludir que ao ver a neve, não tiritamos de frio. A neve é linda, mas a dor muscular que o frio traz, não tanto. A gente suporta coisas por causa do bem que nos fazem, ainda que momentâneos e ilusórios. Fictícios, por que não?

Mas aquelas promessas feitas com os olhos sangram a alma porque fora o compromisso tácito que elas firmam, a alma, por ser pura, límpida, não entende os enganos do corpo, este invólucro das vontades momentâneas travestidas de eternidades. As vontades são perigosas porque nos faz crer serem para sempre, ou minimamente duradouras até o próximo ano e, pela sensação que nos traz no presente, pensamos poder prolongar por muito tempo. Impossível controlar as vontades. Nossas. Dos outros. Do tempo. São fugazes, fugidias e fátuas.

Nossa primeira reação é culpar o outro por nos fazer acreditar em promessas ditadas pela vontade e prazer do momento, mas a culpa é toda nossa, afinal, também não mudamos de vontades? Também não engravidamos outrém com ‘promessas de um futuro bom’? Talvez seja humano esta tendência a planos longíquos e promessas que não nos competem. Somos dados ao engano, em todos os tempos do verbo que aqui também nos confunde de substantivo.

Aliás, substantiva e subjetiva a promessa, por isso tão volátil como se gasosa fosse, talvez seja e explica os efeitos de sua toxicidade no coração de quem acredita. Ela embota sentidos, como droga nos faz gostar, viciar, acreditar e arrastar uma carcaça pesada estrada a fora. Quando seu efeito passa, a gente acorda e fica preso no limbo da dor, desengano e se culpando por ter acreditado tanto. A ficção do romance nos cerca. Quem não deseja essa felicidade de filmes de sessão da tarde?

Fico aqui agora entre a razão e emoção das promessas que acreditei, mesmo que lá no fundo a razão me impelisse a correr. Fazer o que se eu gosto de correr perigo, não tenho medo de sangrar e nunca usei colete a prova de balas e de amor?

Agora eu sangro sozinha e rio entre lufadas do meu próprio fôlego, vou me reerguer para cair de novo, porque eu sei que vou, quantas vezes forem preciso. Mas não me prometa mais nada porque eu vou te acreditar.

“I’ve never done this before, promises, promises, but I’m enjoying the illusion and the things my body says.”

Promises, Promises – Incubus

Comum