Petits Plaisirs

O senso comum nos ensinou a nos livrar do penoso para que possamos desfrutar daquilo que nos dá prazer. Mas já reparou como as coisas ruins se alongam mais que as boas? Isso acontece porque nosso cérebro gosta de uma autossabotagem. Quanto pior uma tarefa, maior é a nossa má vontade em executá-la. Faz uma busca rápida aí na sua memória de como longo foi fazer uma coisa de que não gostava? Uma eternidade, né? Agora lembra de uma coisa muito boa como um encontro, um beijo, uma sobremesa muito boa ou aquela viagem dos sonhos que passou tudo em um piscar de olhos, não foi? Ah, cérebro cruel!

Escrevendo isto me lembrei do filme Constantine que o personagem de Keanu Reeves visita o inferno por dois segundos e considera um tempo longo demais. Ao terminar uma semana exaustiva de trabalho e ansiarmos pelo fim de semana, ainda estamos sob a atmosfera dos maus dias, nosso sábado ainda tem resquícios do trabalho e a gente custa a tirar a poeira dos ombros e aproveitar. Mas já reparou como voltamos felizes ao trabalho depois de um feriado prolongado? Renovados, cérebro oxigenado, corpo tranquilo e sono regularizado. Parece óbvio e é mesmo.

E pensando nessas coisas, me perguntei por que não caminhar contrariamente ao senso comum? Começamos pelas pequenas coisas, nossos pequenos prazeres diários. Que tal saborear o sorvete antes da comida? Que tal ser feliz primeiro?

Ser feliz não é somente começar pela parte boa da vida (até poderia), mas é entender e aprender a se priorizar. Isso parece tão fácil, tão lógico, tão óbvio, tão ridículo e é tão tudo isso que a gente nem faz. É que a gente vive um pouco em função da aceitação. Aceitação pessoal que passa pelo crivo da aceitação social e aí a gente se permite ser idiota em querer agradar ao nosso ciclo, à bolha que pertencemos e esquecendo um pouco (ou muito) daquilo que somos, gostamos e da forma como nos sentimos importantes, valorizados. Quanta ironia, quanto desperdício de energia.

Mas quando a gente se coloca como primeira necessidade, as coisas começam a funcionar melhor, é como se todo dia a gente estivesse voltando de férias. Todas as férias são boas? Não, mas pelo amor de Deus, vamos focar em coisas boas? (Olha meu cérebro querendo me sabotar). Depois das férias a gente tem até uma preguicinha de voltar ao trabalho, mas se arruma, sai de casa e diz bom dia até para as formiguinhas que encontramos pelos muros e calçadas. Depois das férias o sol é gostoso, a chuva é bem-vinda. O trânsito até que não é rui…. não, o trânsito continua sendo ruim, mas a gente põe fones de ouvido, aumenta o volume na música preferida no spotify e pronto.

Não existe mágica nas férias, sabia? A diferença é que naquele período ali você se priorizou. Você passeou, não teve obrigações de oito horas por dia. Você brincou com o cachorro ao meio dia, você cochilou a tarde toda, leu um livro, cozinhou sem obrigação, comeu coxinha no almoço por dois dias, lavou o cabelo e deixou secar no vento, passou o sábado de pijama no sofá, comeu pizza no café da manhã e pipoca no jantar, maratonou séries, passou a noite rindo dos reels, viu a lua, tomou sorvete, dormiu demais, curtiu ressaca, riu da barriga doer e nem lembra o motivo. Você passou mais tempo em casa sozinha e em silêncio, limpou armários, comprou roupa de cama, olhou vitrines, comprou comida e se embebedou sem ex pra esquecer. Viu amigos de longa data, fez amigos aleatórios em lugares ainda mais aleatórios. Você fez o que queria e não somente o que precisava e é por isso que você volta para o trabalho disposto, leve e achando que as coisas não são tão ruins assim e você só estava cansado esse tempo todo.

Você não estava somente cansado esse tempo todo, mas também ficou meio abandonado de si, meio esquecido com o fluxo da vida e da pressa das coisas, ficou meio anestesiado (e, algumas vezes, até inebriado) pelas companhias que te arrastam por lugares que você aprendeu a gostar para pertencer, a gostar de beber coisas que sozinho não faria muito sentido, a ouvir músicas que nem falam tanto assim com você, mas que narram a vida do mais-do-mesmo porque todo mundo acaba meio assim também, um bando de maria-vai-com-as-outras porque não ousa olhar para os lados, não ousa sair da bolha. Sabe a caverna de Platão? Será que você não está vivendo em um remake da alegoria? Pensa aí. Se a resposta for não, não precisa terminar de ler o texto, mas se tiver uma dúvida pequenina que seja, continua comigo.

Porque eu desejo que a gente volte todos os dias das férias, que a gente comece a almoçar pela sobremesa, que a gente se enxergue no espelho, porque se ver é simples demais. Se ver é reparar que tem olheiras e usa o corretivo para disfarçar, se ver é passar a chapinha na franja para desamassar, se ver é perceber que menos dois quilos faria aquela blusinha assentar melhor no seu corpo. Mas se enxergar é definir o que falta, é reconhecer o que é bom, ver progresso, a evolução e a revolução. Se enxergar é entender que nunca estará pronto e que toda linha de chegada também é uma de largada, e por isso mesmo, precisa de ombros leves, cabeça tranquila, coração apaziguado.

A parte mais bonita desse processo todo é que, por mais que alguns caminhos nos façam sangrar, se colocar em evidência torna o resto do percurso menor. A gente consegue dar uma enganadinha no cérebro invertendo esse processo que o senso comum nos ensinou. “Primeiro o dever e depois o prazer” – No mundo adulto essa premissa tem um peso muito grande, principalmente quando nos ensinaram que o prazer não está na gente, mas na busca que a gente nem sabe bem onde vai dar. (Claro que a gente trabalha para se sustentar e pagar por alguns luxos, mas este texto não fala sobre isso, acho que nem precisava explicar, mas vai que…? ). O grande prazer da vida somos nós, até porque sem a gente, nossas vontades, sonhos e realizações não fariam o menor sentido. O grande prazer da vida é priorizar o que se tem, o que nos é caro e principalmente, o que sentimos. É o que alimenta, nos sustém. É o que realmente basta.

Qual é a sua sobremesa preferida de vida? Comece hoje mesmo por ela.

Carolina Machado.

27/12/22